ECOLOGIA HOLÍSTICA

 

    Maurício Andrés Ribeiro¹

    1. DEFINIÇÕES Ecodesenvolvimento, termo cunhado por ocasião da conferência de Estocolmo, em 1972, apresenta oito princípios básicos

    ( quadro 1), e foi definido por Ignacy Sachs como “um instrumento heurístico que permite aos planejadores e aos decisores políticos

    abordarem a problemática do desenvolvimento de uma perspectiva mais ampla, compatibilizando uma dupla abertura à Ecologia Natural e à

    Ecologia Cultural. Neste sentido, o agente de ecodesenvolvimento permanece sensível à diversidade de situações em jogo e, mais que isto,

    ao espectro das várias soluções possíveis. Ele deduzirá disso a impossibilidade de se identificar adequadamente os problemas e as

    necessidades da população, além das potencialidades do meio, enquanto os próprios interessados não assumirem essas funções”.

    Já o termo desenvolvimento sustentável propagou-se a partir do Relatório Brundtland, de 1987 e foi amplamente adotado no contexto da

    Eco.92. A idéia de sustentabilidade teve inicialmente cunho econômico, a tal ponto que alguns pensaram poder prescindir dos

    fundamentos da ecologia nas práticas sustentáveis. Entretanto, a noção foi ampliada para abranger as dimensões ecológica e ambiental,

    demográfica, cultural, social, política e institucional.

    É fundamental a re-ecologização da noção de desenvolvimento sustentável, especialmente diante das múltiplas dimensões que a ecologia

    assume no contexto atual, transcendendo sua conotação original do campo da biologia e estendendo-se a uma multiplicidade de âmbitos

    de reflexão, pensamento e ação.

    Quadro 1. Ecodesenvolvimento: 8 princípios básicos
    1.Aproveitar os recursos de cada região
    2.ser humano é recurso valioso - deve-se fazer o uso social dos recursos
    3.Identificar, valorizar e empregar os recursos naturais em solidariedade diacrônica com as gerações futuras
    4.Reduzir a poluição , reciclar rejeitos
    5.Nos trópicos, aproveitar a fotossíntese e a energia da biomassa
    6.Desenvolver eco-técnicas ou tecnologias limpas
    7.Nas instituições, aproveitar complementaridades entre ações e políticas setoriais, rejeitos de uma atividade usados como insumos em

      outra
    8.Promover a participação da população e educar para a participação consciente

    Fonte: Ignacy Sachs

    “O termo Ecologia foi cunhado pelo biólogo alemão Ernst Haeckel na segunda metade do século XIX, para designar uma nova área de

    conhecimento voltado à compreensão “do conjunto das relações mantidas pelos organismos com o mundo exterior ambiente, com as

    condições orgânicas e inorgânicas da existência; o que denominamos a economia da natureza, as relações mútuas de todos os organismos

    vivendo num mesmo local, sua adaptação ao meio que os circunda, sua transformação através da luta pela vida”. A etimologia do termo (do

    grego oikos = casa, e logos = estudo) sugere o estudo do “lugar onde se vive”, pensado em diversas escalas (da casa onde moramos à

    ecosfera – este “lar” que compartilhamos com bilhões de outros seres vivos) e levando-se em conta toda a diversidade de aspectos

    materiais, biológicos, humanos e sociais. A proposta originária desenvolveu-se, portanto, no campo da Biologia, assumindo um ponto de

    vista globalizante na busca de compreensão tanto da maneira pela qual o meio ambiente influi sobre os organismos e sobre as relações

    destes organismos entre si, quanto da natureza das exigências dos organismos relativamente ao meio ambiente, em termos de uma

    dinâmica adaptativa marcada por relações de interdependência. O campo da Ecologia Humana orientada pela visão sistêmica constitui uma

    base de sustentação conceitual, teórica e metodológica do enfoque de ecodesenvolvimento. No confuso debate suscitado pela evolução

    dessas idéias nas últimas décadas, o termo desenvolvimento sustentável, consagrado por ocasião da Rio-92, contribuiu para eclipsar uma

    parte substancial da reflexão sobre meio ambiente e desenvolvimento deflagrada pelas reuniões preparatórias à Conferência de Estocolmo.

    “(1)

    2. AS VÁRIAS DIMENSÕES DA ECOLOGIA Atualmente, há várias ecologias, que se ramificam em muitos campos, desde sua origem nas

    ciências biológicas. O termo desdobra-se em muitas dimensões, integrando campos e disciplinas como a geografia, a biologia, a sociologia,

    ramos do conhecimento com os quais se avizinha. Os estudos de vegetação relacionados com a geografia e com a sociologia das espécies

    vegetais levaram à biogeografia, numa perspectiva ecológica. A ecologia tem dimensão humana, socio-política e cultural, e refere-se aos

    vários campos da atividade humana - a agroecologia, a ecologia industrial entre outras. A seguir, descrevemos sucintamente ramos

    relevantes da ecologia na atualidade, sem a pretensão de sermos exaustivos, porque trata-se de um campo dinâmico do conhecimento,

    que se encontra em rápida expansão e diversificação.

    2.1. Ecologia natural
    Refere-se ao ambiente natural e baseia-se no conceito de ecossistema, definido por Pierre Dansereau como "um meio, mais ou menos

    fechado, onde os recursos do local são transformados por uma biomassa de populações de plantas e animais, associadas em processos

    mutuamente compatíveis".

    Na escala do planeta Terra, a ecologia estuda a interação entre milhões de espécies de animais e de plantas na biosfera (com a sua

    biodiversidade e que ocupa uma fina camada na superfície do planeta), e sua inserção dentro do ambiente constituído pela atmosfera (ar,

    gases e oxigênio produzido pelos vegetais), a hidrosfera (água doce, água salgada, vapor d´água, água de superfície ou subterrânea) e a

    litosfera (solos que se decompõem, recursos minerais). Tudo isso dentro de um contexto cósmico ( a cosmosfera, o sistema solar, o sol e

    sua energia, a galáxia, o universo) e de um contexto em que também a pirosfera, (o interior quente da Terra e sua energia), influi sobre o

    ambiente e a vida. Pierre Dansereau assim define as esferas geradoras mundiais: "A cosmosfera envolve o planeta e sua energia penetra em

    todas as camadas até a pirosfera, que por sua vez, se expande na litosfera, na hidrosfera e na atmosfera, que se interpenetram de formas

    variadas. A biosfera atinge profundidades variáveis dentro da litosfera e da hidrosfera, e alguma altitude dentro da atmosfera, mas

    normalmente é incompatível com a cosmosfera e com a pirosfera; enquanto que a noosfera atravessa todos os níveis."

    A noosfera é um conceito criado por Teilhard de Chardin e que compreende o conjunto sutil de idéias, informações e conhecimentos

    captados, processados ou gerados pela espécie humana e pela inteligência da vida no planeta.

    Essas interações, ao longo da evolução geológica e biológica, produziram transformações no planeta Terra desde há bilhões de anos.

    Estima-se que a Terra tenha 5 bilhões de anos desde sua formação. As formas de vida primitiva apareceram há 3,7 bilhões de anos e as

    formas mais complexas há 1,5 bilhão de anos. Os vertebrados apareceram há 700 milhões de anos e viveram nas várias eras - paleozóica,

    mesozóica ( na qual situa-se o período jurássico, em que viveram e se extinguiram os dinossauros, há 70 milhões de anos); a era cenozóica

    e a era recente, ou quaternária, com seus períodos paleolítico, neolítico e histórico. O homo sapiens apareceu há cerca de 1 milhão de anos

    e as eras glaciais processam-se aproximadamente a cada 100.000 anos, com longos períodos glaciais, ou eras do gelo, intercalados por

    períodos interglaciais de cerca de 10.000 anos, nos quais florescem as civilizações humanas.( ver Quadro 2) A título de comparação, se a

    Terra tivesse 400 anos, os organismos primitivos teriam 300 anos, as civilizações mais antigas teriam 2 dias e a tecnologia avançada existiria

    há apenas 10 minutos.

    Quadro 2. Cronologia da evolução segundo a ciência
    Duração do Universo e da Terra - cerca de 5 bilhões de anos
    Vida na Terra
    - formas primitivas, bactérias - 3,7 bilhões de anos
    - formas mais complexas – invenção do sexo e da morte - 1 bilhão e 500 milhões de anos (Leonard Schlain)
    - Vertebrados - 700 milhões de anos
    - Era paleozóica - 400 milhões de anos - laurenciano, cambriano, siluriano, devoniano, carbonífero, permiano
    - Era mesozóica - 225 milhões de anos - triássico, jurássico, (extinção dos dinossauros há 70 milhões de anos) cretáceo
    - Era cenozóica - 65 milhões de anos, terciário (paleoceno, eoceno, oligoceno, mioceno, plioceno, pleistoceno)
    - Era recente - quaternária, paleolítico, neolítico, histórico
    - Homo sapiens - 1 milhão de anos
    - Homem de Pequim, sinantropo - 100 a 200 mil anos
    - Ciclos das Eras Glaciais - 100.000 anos, sendo cerca de 90.000 anos glaciais e 10.000 interglaciais
    - Evolução anatômica e estabilização do neocortex cerebral - 50.000 anos
    - Civilizações modernas - as mais antigas tem cerca de 10.000 anos - período interglacial
    - Etapas do domínio do homem e o meio ambiente - coleta, caça e pesca, pastoreio, revolução agrícola, revolução industrial, urbanização,

    controle climático, fuga exobiológica (Dansereau), ponto ômega (Teilhard de Chardin)

    A ecologia trabalha com as relações físicas, químicas e biológicas dos elementos da natureza. Os ciclos biológicos, geológicos e químicos que

    se processam na Terra, produzem variações climáticas e influenciam na evolução, no desenvolvimento da vida e na sua adaptação aos vários

    ambientes.
    Cada região contém distintas espécies da flora e fauna, em função de sua adaptação evolutiva a condições climáticas e ambientais e à

    disponibilidade de alimentos para se nutrirem. Mendel estudou sua genética e a hereditariedade, responsável pela transmissão de

    informações de um indivíduo a outro. Desmond Morris e Konrad Lorenz, em estudos sobre etologia, compararam o comportamento animal

    no seu habitat natural ou em cativeiro.
    As condições climáticas são produzidas pela interação da atmosfera, das massas de água dos oceanos e as massas de terra, e da forma

    como reagem à incidência da luz solar. A paisagem em cada ambiente ou região é influenciada pelo clima e especialmente pela pluviosidade,

    ventos e temperatura. O planeta dispõe de vários tipos de climas, classificados de acordo com suas características.

    A espécie humana tem demonstrado crescente capacidade de influir nas condições climáticas e ambientais, produzindo fenômenos como o

    efeito estufa ou o buraco na camada de ozônio, com efeitos e repercussões sobre sua saúde e qualidade de vida. Os desequilíbrios

    climáticos são um dos principais temas ligados à ecologia global, objeto da convenção sobre mudanças climáticas discutida durante a Rio-92

    e posteriormente em encontros realizados em Kioto ( 1997) e Buenos Aires (1998), visando compreender com maior exatidão os

    complexos processos que afetam o clima global e especialmente aqueles que se originam da atividade humana, com a emissão de gases

    que produzem o efeito estufa, como o CO2 (gás carbônico), proveniente da queima de florestas e do uso intenso dos combustíveis

    derivados do petróleo e de combustíveis fósseis. Hoje existem na Terra 9 zonas ou biotas nas quais se adaptou a vida animal e vegetal

    destacando-se entre elas a Floresta Tropical, a Savana, as pradarias, o deserto Quente e Seco, as Estepes, as Florestas Temperadas

    Decíduas e de Coníferas , a Taiga ou Floresta Boreal, a Tundra Polar . Nichos ou oportunidades específicas de subsistência para animais e

    plantas encontram-se em cada uma dessas biotas. Os seres vivos mais hábeis e que melhor se adaptam, aproveitando tais oportunidades,

    sobrevivem e se reproduzem, evitando sua extinção. Lamarck enfatizava que as necessidades dos animais são os fatores que os levam a

    evoluir, a partir de formas primitivas e simples, numa determinada direção, adquirindo caracteres novos, com a influência do meio ambiente,

    e transmitindo essa informação geneticamente para as gerações posteriores. O código genético é um padrão de informação contido nas

    células vivas e que se transmite de um indivíduo a outro, que carrega aquele código e com ele se adapta a suas condições de vida e

    ambiente. Na evolução biológica, os organismos lutam para evitar a extinção e procuram maximizar o aproveitamento das condições

    favoráveis do meio ambiente. Riscos e ameaças à sobrevivência da vida, de origem cósmica - corpos celestes que se chocam com a terra -

    de origem telúrica, tais como os fenômenos e catástrofes climáticos e ambientais naturais - vulcões, terremotos, secas, enchentes, devem

    ser superados pelas espécies em sua evolução biológica. Em parte devido à atividade humana, atualmente a biodiversidade vem sendo

    reduzida por um processo acelerado de extinção de espécies, a um ritmo de 1 espécie extinta a cada 15 minutos.

    As relações de cooperação ou de competição de uma espécie com outras espécies desenvolvem comportamentos que possibilitam a

    sobrevivência. A tendência a supervalorizar a competição é hoje questionada: “Quanto mais estudamos o mundo vivo, mais nos

    apercebemos de que a tendência para a associação, para o estabelecimento de vínculos, para viver uns dentro de outros e cooperar é uma

    característica essencial dos organismos vivos” ( F. Capra, O Ponto de Mutação, p.272). Ele observa que “O estudo detalhado dos

    ecossistemas nestas últimas décadas mostrou com muita clareza que a maioria das relações entre organismos vivos são essencialmente

    cooperativas, caracterizadas pela coexistência e a interdependência, e simbióticas em vários graus. Embora haja competição, esta ocorre

    usualmente num contexto mais amplo de cooperação, de modo que o sistema maior é mantido em equilíbrio. Até mesmo as relações

    predador-presa, destrutivas para a presa imediata, são geralmente benéficas para ambas as espécies. Esse insight está em profundo

    contraste com os pontos de vista dos darwinistas sociais, que viam a vida exclusivamente em termos de competição, luta e destruição. A

    concepção que eles tinham da natureza ajudou a criar uma filosofia que legitima a exploração e o impacto desastroso de nossa tecnologia

    sobre o meio ambiente natural”.
    Capra nota que “Darwin propôs uma teoria da evolução em que a unidade de sobrevivência era a espécie, a subespécie ou algum outro

    componente básico da estrutura do mundo biológico. Mas, um século mais tarde, ficou bem claro que a unidade de sobrevivência não é

    qualquer uma dessas unidades. O que sobrevive é o organismo-em-seu-meio-ambiente.”
    Cada indivíduo vivo compõe-se de moléculas, células, tecidos e órgãos, que se ajustam internamente que se integram para formar aquele

    indivíduo. Por sua vez, ele se adapta ao ambiente, integrando-se com sua população, comunidade, aos ecossistemas, aos bioclimas e às

    biotas. A hipótese Gaia considera a própria Terra como um ser vivo, no qual a vida se auto-regula e protege o planeta. A biosfera regula a

    composição química do ar, a temperatura da superfície da Terra e o meio ambiente planetário. Nessa hipótese, a espécie humana constitui

    a massa cinzenta do cérebro de Gaia. No Brasil, o texto mais conhecido sobre a teoria Gaia é de autoria de José Lutzemberger, agrônomo e

    ambientalista gaúcho, detentor do Prêmio Nobel Alternativo de Ecologia. Seu artigo intitulado Gaia, do qual se extraíram as citações

    seguintes, trata com clareza esse tema:

    “Acaso seria possível um planeta cheio de vida, como o nosso, mas no qual a vida estivesse constituída apenas por animais, sem que

    existissem plantas”? É claro que não. Por quê? Poderíamos imaginar um planeta com vida mas sem animais, só com plantas? Não seria este

    um planeta bem mais harmônico, sem sofrimento? As plantas poderiam desenvolver-se livremente, sem serem pastadas, pisoteadas,

    consumidas, queimadas. Impossível.

    São os animais que não permitem que as plantas morram de fome. Os animais dominam outra técnica muito parecida à fotossíntese, quase

    igual, porém invertida – a respiração. Enquanto as plantas, armazenando energia, sintetizam substâncias orgânicas, liberando oxigênio, os

    animais, com oxigênio, queimam estas substâncias e usam a energia liberada no processo. Eles devolvem ao ambiente exatamente aquilo

    que a planta retirou.
    Fundamental para vida é também o confronto dos três estados físicos: sólido, líquido e gasoso. Sem este confronto não haveria reciclagem,

    como aquela dos ciclos interligados do carbono e oxigênio, não haveria os grandes e pequenos ciclos bio/geo/químicos.

    A biosfera, o conjunto dos sistemas vivos, está íntima e inseparavelmente integrada na Litosfera, na Hidrosfera e na Atmosfera. O todo

    constitui uma unidade funcional, um organismo à parte, um sistema dinâmico integrado, equilibrado, auto-regulado. [...] O conceito de

    Ecosfera precisava ser ampliado. O novo conceito proposto, que começa a ser aceito pelos grandes ecólogos e que já conquistou a

    vanguarda do movimento ecologista, é o conceito de Gaia. A Ecosfera não é um simples sistema homeostático, automático, químico-

    mecânico. O Planeta Terra é um ser vivo, um ente vivo com identidade própria, o único de sua espécie que conhecemos.”

    2.2. Ecologia cósmica
    Os recentes avanços da astrofísica e a melhor compreensão do universo, com a ajuda de instrumentos como os radiotelescópios, permitem

    entender as influências que os fatos que ocorrem na cosmosfera provocam no planeta Terra e na vida que nele se desenvolve. Assim, por

    exemplo, o fim dos dinossauros há 70 milhões de anos, durante o período jurássico, pode ter sido causada pelo choque de um corpo

    celeste com a Terra, que provocou profundas alterações climáticas e ambientais e que inviabilizou a alimentação para aqueles grandes

    animais, provocando sua extinção.
    Os astrofísicos desenvolveram a hipótese do big-bang, pela qual o universo, há mais de 4 bilhões de anos, teve início com uma grande

    explosão. O universo é um sistema em evolução e em constante mudança, que está se expandindo. Depois virá um período de contração.

    A cauda dos cometas - espermatozóides cósmicos viajantes - asperge gelo e os germens da vida por onde passam. Eles deram origem à

    vida, que está associada à água, conforme a hipótese da panspermia desenvolvida pelos astrônomos ( Fred Hoyle).

    A evolução geológica estuda os vários períodos geológicos da Terra, a partir de seu surgimento há mais de 4 bilhões de anos. A era

    paleozóica iniciou-se há 400 milhões de anos atrás. A era mesozóica, há 225 milhões de anos, e a cenozóica, há 65 milhões de anos. Houve

    catástrofes provocadas por colisões com meteoritos e corpos celestes, eventos que modificaram o curso da evolução na Terra,

    especialmente com o colapso de formas de vida que não resistiram às mudanças ambientais e climáticas então provocadas.

    As concepções científicas sobre a origem do universo evoluíram aceleradamente desde que Galileu mostrou com sua luneta uma nova

    cosmovisão. Especialmente nos ultimos anos, os novos instrumentos que ampliam a percepção humana permitem compreensão mais clara

    do macrocosmo.
    Desde a antigüidade, as civilizações e culturas humanas interessaram-se por esse tema e procuraram produzir teorias para explicar a criação.

    As várias tradições espirituais são manifestações antropológicas da cultura humana, que tem suas hipóteses para o surgimento da vida. E. O.

    Wilson, em Consilience,(p.6, 1998) comenta que os autores bíblicos perderam a mais importante das revelações, a da evolução.

    2.3. Ecologia energética
    Cadeias alimentares são as transferências de energia alimentar desde os produtores básicos – as plantas –, para os animais herbívoros –

    consumidores primários –, até os animais carnívoros que se alimentam dos herbívoros. O homem está entre as espécies que absorvem

    energia de vários desses elos da cadeia alimentar. Como grande parte da energia é degradada a cada transferência de um nível para outro,

    quanto maior a cadeia alimentar, menor será a energia disponível. Para alimentar-se, os vegetais nutrem-se da energia solar, a qual

    transformam em biomassa a partir da sua capacidade de realizar a fotossíntese. Na cadeia alimentar, cada organismo se alimenta de outros

    situados no mesmo nível ou nos níveis mais baixos. Os animais, que se alimentam de plantas ou de outros animais para obter nutrientes, são

    os consumidores. No alto da cadeia alimentar ou trófica está o consumidor secundário, que não tem predadores naturais. A maior parte dos

    animais consome vários alimentos, e as cadeias alimentares se sobrepõem com diversas outras, como parte do ciclo da vida na Terra.

    Quando morre um ser vivo, as bactérias o decompõem em substâncias orgânicas e inorgânicas usadas pelos vegetais para alimentar-se.

    Na década de 80, o programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou um Guia de Ação Pessoal para o Planeta Terra contendo

    sugestões para a ação prática. Ali se chamava a atenção para o fato de que a produção de alimentos afeta e condiciona o meio ambiente.

    A demanda de alimentos que se encontram no alto da cadeia alimentar – constituídos pelos produtos de origem animal – consome grande

    quantidade de recursos naturais e pesticidas, motiva os fazendeiros a expandir as áreas destinadas a pastagens, provoca a destruição de

    florestas e perdas de solo fértil. O consumo de carne e de produtos animais, que se encontram no alto da cadeia alimentar, provoca grande

    pressão sobre os recursos naturais. Já o consumo dos vegetais, frutas e grãos, exerce menor pressão sobre os recursos naturais, sobre a

    água e sobre as fontes de energia. Os estudos de ecologia energética revelam a superioridade dos produtos de origem vegetal sobre os de

    origem animal, em termos de produtividade energética.
    Esse mesmo estudo da ONU afirmava que, se apenas os norte-americanos reduzissem em 10% o consumo de carne, seriam poupadas 12

    milhões de toneladas de grãos utilizadas para alimentar os animais abatidos, volume capaz de alimentar toda a população da Terra que sofre

    de fome. O consumo de grãos pelos animais criados para o abate daria para alimentar cinco vezes toda a população dos Estados Unidos. A

    dieta alimentar baseada em proteínas animais, quando comparada com dietas baseadas em grãos, hortaliças e proteína vegetal, tem

    elevado custo energético. Ou seja, sua produtividade energética é baixa. Aquele documento das Nações Unidas explicitou de modo claro a

    realidade, conhecida há milênios por povos que adotaram o vegetarianismo como hábito alimentar. As dietas alimentares vegetarianas são

    poupadoras de espaço, dos recursos naturais e do meio ambiente, conseguindo, com baixo uso de recursos naturais e alto rendimento

    energético, alimentar densas populações. John Phillipson e Nathaniel Altman são autores de referencia nesse campo.

    2.4. Ecologia humana e cultural
    O ser humano, desde o aparecimento do homo sapiens há cerca de 1 milhão de anos, evolui com a ajuda de seus sentidos, que captam e

    processam a informação, e desenvolvem a cultura e a civilização.
    As civilizações mais antigas datam de cerca de 10000 anos, correspondentes ao atual período interglacial da história da Terra. ( ver Peter

    Russell, O buraco branco no tempo). Na evolução, o ser humano passou por diversas etapas na sua relação com o ambiente, desde a

    coleta, a caça e pesca, o pastoreio, a revolução agrícola, a revolução industrial, a urbanização, evoluindo nesta etapa atual para o controle

    climático e a fuga exobiológica. Pierre Dansereau sintetizou as várias etapas da relação do homem com o meio ambiente e os impactos que

    causaram, bem como a visão prospectiva de fuga exobiológica, quando a Terra não mais apresentar condições de habitabilidade, quando o

    sol tornar-se uma estrela gigante vermelha ou quando, na visão do Vishnu Purana, ‘os sete raios solares põem fogo no mundo”.

    O ser humano é parte da teia da vida e da natureza, que utiliza seus sentidos para perceber e compreender o ambiente. Trata-se de um

    tipo de ser especial que desenvolveu a cultura e a informação, que se integra à rede que interliga os seres vivos e cuja ação produz

    crescentes impactos sobre as demais espécies vivas e sobre as condições ambientais e climáticas globais e locais. Na sua trajetória evolutiva,

    os impactos da espécie humana sobre o meio ambiente se intensificaram, com o uso de tecnologias industriais e com a modificação na

    ocupação do espaço. O rápido crescimento da população humana, bem como os crescentes impactos ambientais das atividades por ela

    desenvolvidas, tornam nossa espécie um fator de desequilíbrio na evolução biológica, levando milhares de espécies ao risco de extinção. Os

    homens são responsáveis por processos acelerados de redução da biodiversidade e, por outro lado, criam novas espécies por meio da

    bioengenharia e da genética. Assim, a evolução passa a ser conscientemente manipulada pela espécie humana a partir de um momento

    recente da história. Ela tem nas mãos a oportunidade de participar da evolução de acordo com suas intenções. A ação humana prudente e

    responsável, baseada em conhecimento e sabedoria, pode reduzir os riscos de impactos que venham a prejudicar a si própria.

    A espécie humana, que ainda está em sua infância relativamente ao tempo da evolução da vida no planeta, encontra-se em fase de

    manipulação de objetos e produção de dejetos, em processo de aprendizagem individual e coletivo. Na manipulação de objetos materiais e

    de sua transformação, ocorre a aprendizagem, incluindo o que se aprende com os erros, com os efeitos ambientais degradadores dessa

    própria manipulação material. Analogamente às fases de desenvolvimento individual, também as sociedades e a própria espécie,

    biologicamente, aprendem e passam por fases distintas de gênese, crescimento, colapso e desintegração.

    “A humanidade deve agora reencontrar-se. A necessidade urgente do homem é de tornar-se ativamente consciente do fato de que

    transcendeu sua hereditariedade, tomou conta de seu próprio destino e não pode mais colocar a culpa de seus defeitos na biologia”. (E.

    Lester Smith)

    No processo de evolução e no seu ciclo de vida, além das mudanças compulsórias para adaptarem-se ao meio que também se modifica, as

    espécies passam por mutações ou etapas. Do casulo da lagarta surge a borboleta, numa etapa de vida mais avançada. A espécie humana,

    analogamente, passa por processo semelhante, saindo de seu casulo e estado larval e libertando-se através da consciência, que inclui a

    consciência de sua própria evolução. Sri Aurobindo, pensador indiano que debruçou-se sobre o tema da evolução, postula que a crise que

    vivemos hoje não é simplesmente uma crise econômica, política, cultural ou civilizatória, mas é uma crise da evolução. É a espécie humana

    saindo de seu casulo e transformando-se numa nova espécie que poderá ter um futuro brilhante ou estar destinada à autodestruição. “O

    homem é um ser em transição; ele não é final. O passo do homem para o super-homem é a nova conquista que se aproxima na evolução

    da Terra. Ele é inevitável porque é ao mesmo tempo a intenção do Espírito interno e a lógica dos processos da Natureza”, diz Sri

    Aurobindo.

    “A evolução biológica virtualmente terminou com a emergência do homem. Sua própria evolução continuada não é genética, mas vai ao

    longo de linhas culturais, tecnológicas e sociais, e sua velocidade é tornada possível pelas habilidades mentais humanas e o uso da

    linguagem.” (E. Lester Smith). Para Capra, “O surgimento da consciência tornou possível substituir os mecanismos genéticos da evolução

    por mecanismos sociais, mais eficientes, baseados no pensamento conceitual e na linguagem simbólica”.( O Ponto de Mutação, p.283)

    A Ecologia cultural estuda os processos de adaptação da sociedade, com seus valores culturais, à base física e natural sobre a qual se

    assenta, e as relações que daí decorrem. O meio ambiente influencia e modifica as pessoas que nele habitam e por sua vez elas também o

    modificam, projetam e constróem. A ecologia cultural estuda a mutua influencia do ser humano e seu meio e considera o ambiente como

    um produto cultural, que reflete as percepções, valores, atitudes e comportamentos dos seres humanos. A cultura evolui por meio da

    aprendizagem, propaga mudanças e altera ambientes naturais. A evolução e o conhecimento científico e tecnológico expandem-se

    geometricamente nas ultimas décadas, com velocidade crescente.
    Embora recente na evolução biológica, a espécie humana multiplicou e potencializou sua capacidade de produzir impactos sobre o tempo da

    evolução, por meio da cultura, da ciência, da consciência. A moderna civilização ocidental industrial desenvolveu instrumentos poderosos

    para interferir sobre o curso da evolução biológica no planeta, que poderão, num cenário pessimista, levar ao auto-extermínio ou ao suicídio

    da espécie; num cenário mediano, a uma degradação crescente; num cenário otimista, pode levar à reversão e ao aprimoramento da

    próprio processo evolutivo. Os sistemas de valores culturais se complexificam e a contracultura procura incorporar elementos presentes em

    outras matrizes de civilização.
    Para Samuel Huntington, o encontro cooperativo ou antagônico entre diversas matrizes de civilizações constitui o grande processo que

    viveremos no futuro, devido ao grande desenvolvimento tecnológico e das comunicações alcançado pela humanidade. Para ele, os vários

    grandes ramos da civilização se diferenciaram historicamente no passado e a civilização ocidental industrial, hegemônica e dominante,

    espalha sua influencia por todo o planeta, com efeitos degradadores que podem levar a um colapso, caso não exista a autoreflexão e a

    inflexão do curso da historia. “O futuro será moldado em grande medida pelas interações entre sete ou oito civilizações principais: ocidental,

    confuciana, japonesa, islâmica, hindu, eslava ortodoxa, latino-americana e possivelmente a africana. Os conflitos mais significativos e

    sangrentos ocorrerão ao longo das fronteiras que separam essas culturas” anota Huntington.
    Capra acredita que “a visão de mundo sugerida pela física moderna seja incompatível com a nossa sociedade atual, a qual não reflete o

    harmonioso estado de inter-relacionamento que observamos na natureza. Para se alcançar tal estado de equilíbrio dinâmico, será necessária

    uma estrutura social e econômica radicalmente diferente: uma revolução cultural na verdadeira acepção da palavra. A sobrevivência de toda

    a nossa civilização pode depender de sermos ou não capazes de realizar tal mudança.” ( O Ponto de Mutação, p.15/16)
    Darcy Ribeiro, em “O Processo Civilizatório”, afirmava que "Enquanto a natureza, evoluindo por mutação genética, não pode voltar atrás e é

    regida por um ritmo lento de transformações, a cultura, evoluindo por adições de corpos de significado e de normas de ação, e difundindo-

    se pela aprendizagem, pode experimentar mudanças rápidas, propagá-las sem grandes limitações espaciais ou temporais, e redefinir-se

    permanentemente, compondo configurações cada vez mais inclusivas e uniformes".

    Sociedades e civilizações antigas desenvolveram valores valiosos para a evolução das sociedades modernas, confrontadas com impasses e

    limites ecológicos. A sociedade industrial ocidental moderna, por exemplo, encontra-se diante de impasses que a obrigam a procurar fôlego

    nas contribuições de outras vertentes civilizacionais, para prosseguir sem provocar desastres ecológicos. Muitas civilizações e sociedades que

    existiram durante a história da espécie humana, não foram capazes de relacionar-se de forma durável com a base física na qual viviam, vindo

    a enfraquecer-se e a extinguir-se. A falta de capacidade de sustentar-se gera o empobrecimento da base de riqueza natural - com a

    erosão, a desertificação e outros processos degradadores do ambiente, que causam empobrecimento econômico e acirramento de

    conflitos sociais. Esses processos desagregadores levam a instabilidades políticas e a conflitos que provocam a decadência e o

    enfraquecimento daquela comunidade humana.
    Fritjof Capra propõe que chegamos a um ponto de mutação, no qual paradigmas precisam ser transformados, para que a evolução possa

    prosseguir, sob o risco da espécie humana provocar sua autodestruição.
    Nesse contexto, a ecologia profunda é um movimento cultural, filosófico e do pensamento ecológico que chama a atenção para o

    encadeamento de efeitos ambientais associado ao estilo de vida, ao padrão de consumo e a cada atividade humana individual ou coletiva.

    Adota freqüentemente a visão biocêntrica, na qual a espécie humana é considerada como mais uma entre milhões de outras que povoam o

    planeta. Contrapõe-se ao ambientalismo superficial, pelo qual se pensa e age diante das questões ambientais sem considerar a profundidade

    e a complexidade dos efeitos e impactos das ações humanas.

    "... a Ecologia Profunda faz perguntas profundas a respeito dos próprios fundamentos da nossa visão de mundo e do nosso modo de vida

    modernos, científicos, industriais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo esse paradigma com base numa

    perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida

    da qual somos parte" (Fritjof Capra, 1997, página 26).

    A consciência de constituir um ser com uma consciência cósmica, é recuperada pela ecologia profunda. A dimensão cósmica da ecologia

    ajuda a criar uma nova visão de nossa relação com o cosmos e suas leis, bem como com o caos.

    2.5.Ecologia social e política
    A ecologia social e política estuda as relações de poder entre os diversos atores sociais e como essas relações determinam as escolhas,

    prioridades e a tomada de decisões. Desenvolve métodos preventivos ou corretivos de lidar com os conflitos de interesses em torno da

    apropriação dos recursos naturais pelos diversos grupos sociais e políticos. Esse campo da ecologia tem importância crucial já que, à medida

    que os recursos naturais se esgotam ou tornam-se mais disputados – o uso multiplo da água é um exemplo – tendem a crescer e a se

    acirrar os conflitos de interesses. Caso não sejam administrados proativamente ou preventivamente, tais conflitos podem levar à eclosão de

    violência ou agravar injustiças sociais. Para Jean-Pierre Dupuy, na Introdução à Crítica da Ecologia Política, "A crise ecológica deixa a escolha

    somente entre dois cenários: o ecofascismo, ou seja, os limites impostos por uma tecnocracia esclarecida pelas "leis" da ecologia; ou então,

    a autolimitação de uma sociedade consciente e responsável." A dimensão social da ecologia reveste-se de importância porque os custos

    econômicos e as externalidades negativas ou impactos prejudiciais de ações humanas tendem a recair com maior peso sobre os segmentos

    sociais com menor poder político, menor carga de informações ou menor força social de defender seus interesses. A ecologia social e

    política pode ajudar a reduzir as injustiças sociais devidas à alocação desigual de recursos e à apropriação do patrimônio natural e cultural.

    Cada ator social e institucional na arena do meio ambiente tem papéis, atribuições, competências e responsabilidades; tem interesses

    convergentes em certas circunstâncias e que se opõem e conflitam em outros momentos. Cada um mantém com os demais relações

    qualitativamente diversas: do apoio e aliança mútua até o confronto e a oposição explícita ou velada. Podem compartilhar informações,

    estabelecer cooperação ou deflagrar denúncias e cobranças, quando discordam dos comportamentos dos demais atores. Dentre tais

    atores, destacam-se o Legislativo, o Executivo, o Judiciário, o órgão ambiental, as comunidades afetadas, os empreendedores ou

    proponentes de novas atividades, os empregados e trabalhadores nessas empresas, as empresas de consultoria ambiental, as organizações

    não-governamentais (ONGs) e movimentos ambientalistas da sociedade civil, a imprensa, a mídia que vocaliza a opinião pública, o Ministério

    Público.
    Uma cultura de paz com a natureza implica desenvolver um tipo de relação menos utilitarista da espécie humana e que ressacralize a

    natureza, reintegrando os indivíduos como parte da biodiversidade. Supõe estabelecer uma relação que evite considerar a terra apenas

    como fonte de recursos naturais a ser explorada, ou depósito de resíduos no qual se descartam as sobras e o lixo, subprodutos do

    consumo material imediatista. Implica reconhecer os crescentes riscos e ameaças à segurança individual e social representados pelos

    desequilíbrios ambientais. A segurança ecológica constitui tema emergente nesse contexto. Há número crescente de refugiados

    ambientais, isto é, pessoas migrantes que se viram obrigadas a abandonar seus locais de origem e a migrarem, devido a catástrofes e

    fenômenos tais como secas, enchentes, furacões, terremotos e à perda de capacidade econômica de sustentação em seus locais de

    origem. As migrações rural-urbano continuam a ocorrer em intensidade. As barreiras à livre circulação e deslocamento de pessoas entre

    países constituem uma agressão ao direito de ir e vir e de mover-se para buscar oportunidades e condições de vida, direito do qual as

    demais espécies de animais desfrutam em suas migrações.
    A partir de sua história passada, a humanidade não chegou ao último estágio da sua evolução política com as democracias e os estados-

    nação. A globalização econômica e a integração global pelas comunicações mostram que as relações políticas ainda tem uma longa evolução

    pela frente, para a espécie humana encontrar o seu caminho e romper as crises e impasses que a sua ação provoca. A ecologia política é

    um componente cada vez mais estratégico nessa evolução política da humanidade.

    2.6. Ecologia urbana e industrial
    A espécie humana constrói abrigos individuais ou coletivos. A partir da industrialização no século XVIII e crescentemente, na segunda

    metade do século XX, passa por intensa urbanização. As cidades e redes de cidades constituem ecossistemas construídos, que se

    diferenciam internamente em função de fatores econômicos, sociais e culturais. A ecologia urbana estuda os impactos que a urbanização

    causa no ambiente, e as relações culturais, biológicas e econômicas dos seres humanos com o ambiente urbano. Ela ocupa-se das relações

    do ser humano com o ambiente construído nas cidades, que constituem o habitat de parcela crescente da humanidade. Também estuda

    as diferentes formas de uso e ocupação do espaço, as densidades populacionais em distintas partes das cidades, ocupadas por grupos

    sociais ou étnicos distintos. A ecologia urbana estuda os impactos ambientais da urbanização, a qualidade ambiental nas cidades, as relações

    dos seres humanos com o habitat urbano e com as demais espécies vegetais e animais, bem como as relações entre os ecossistemas

    urbanos com o entorno no qual deixa suas pegadas ou marcas, por buscar ali materiais, energia e outros bens e serviços para sustentar-se.

    As cidades se relacionam com o ambiente ao seu redor, de onde extraem materiais, energia, alimentos, água, ar, para seu uso e consumo,

    provocando impactos ambientais. Precisam alimentar-se de fluxos de energia provenientes de várias fontes para sustentar-se. Os sistemas

    de cidades de pequeno porte diferenciam-se das grandes metrópoles por várias características, sendo a sua matriz energética um dos

    fatores de diferenciação. A sustentabilidade energética dos sistemas urbanos é tema crucial na ecologia urbana, bem como a adoção de

    matrizes energéticas eficientes, que economizem energia e que gerem menores custos à qualidade ambiental. A Ecologia industrial busca

    prevenir a poluição, promover a reciclagem e a reutilização de resíduos, o uso eficiente dos recursos e insumos para a produção, bem como

    estender a vida dos produtos industriais. Também busca configurar parques eco-industriais integrados, nos quais os resíduos ou efluentes

    de uma industria sirvam como insumos e matérias primas para a produção num empreendimento vizinho.

    2.7. Ecologia agrária ou agroecologia ocupa-se dos processos de produção agrícola e baseia-se em princípios agro-ecológicos, tais como o da

    diversidade (de espécies, rotação, intercultivo, culturas complementares), a adaptabilidade, a reciclagem dos nutrientes e da matéria

    orgânica, a conservação e regeneração natural dos recursos. A agricultura sustentável baseia-se em princípios agro-ecológicos e considera

    também os aspectos econômicos (Segurança alimentar, viabilidade econômica e correção técnica), sociais (fortalecimento dos pobres rurais,

    equidade social, segurança para o consumidor). Relaciona-se com a ecologia rural.
    A ecologia de paisagens lida de forma integrada com as paisagens naturais e aquelas produzidas pela ação humana. Assim, trabalha de forma

    articulada com a ecologia urbana, industrial e rural, bem como as demais relações que se rebatem no território e no uso e ocupação do

    solo.

    2.8. Ecologia pessoal ou do ser
    A ecologia pessoal ou do ser desdobra-se em aspectos mentais e corporais, psíquicos, emocionais e espirituais.A mente é um fenômeno

    característico dos organismos vivos, sociedades e ecossistemas, aptos a processar informação, pensar, aprender, ter memória. Para Gregory

    Bateson “A mente é a essência do estar vivo”.
    A teoria sistêmica da evolução baseia-se na dinâmica da autotranscendência: adaptação e criação, co-evolução dos organismos e do meio

    ambiente impulsionam esse processo, com o desenvolvimento dos sistemas de informação e das estruturas mentais. Para fora do indivíduo,

    esse desenvolvimento se faz a partir do cérebro, com seus neurônios e sinapses, levando à inteligência artificial e aos cérebros eletrônicos.

    Para dentro, desenvolve-se a biotecnologia e a engenharia genética, as informações contidas em cada célula dos corpos vivos, os códigos

    genéticos, o ADN. As células são unidades que contém a inteligência e a mente, nos quais se pode induzir mutações intencionais.

    “Neste momento, nosso comportamento canceroso representa um perigo mortal para Gaia. Mas isso não é inevitável. Se soubermos usar

    sabiamente o potencial intelectual que ela nos propiciou, assim como a fabulosa tecnologia que daí surgiu, poderemos até mesmo assumir o

    controle consciente de Gaia. Sistema nervoso autônomo, Gaia já tem, seríamos a massa cinzenta no cérebro de Gaia”.(Lutzemberger)

    “A inteligência humana pode ser sua destruição ou sua salvação. Aliada à sua natureza mais básica, ela leva a comportamento egoísta,

    antisocial; aliada a suas qualidades espirituais ela leva ao altruísmo, cooperação e unidade”( Lester Smith)

    Para E.T. Hall, em A dimensão Oculta, "O homem e seu meio ambiente moldam-se entre si. O homem está agora em condições de criar

    realmente o mundo em que vive, ou seja, o seu biótipo. Ao criar este mundo ele está determinando que tipo de organismo ele será". Do

    ponto de vista da ecologia do corpo, somos o ambiente no momento em que inspiramos e respiramos o ar, que ingerimos água e

    alimentos, metabolizando-os por meio de processos bioquímicos. Quando morremos, também nos dissolvemos como corpo, no ambiente.

    Na evolução anatômica humana, o neocortex cerebral se estabilizou há cerca de 50000 anos. O ambiente interno do corpo humano

    relaciona-se com o ambiente externo, havendo um rebatimento entre o sistema circulatório sangüíneo com o sistema hidrográfico, ambos

    poluídos seja pelo colesterol e placas que o obstruem; o outro poluído pelo lixo, esgotos e detritos industriais. A flora intestinal corresponde

    à vegetação externa; o efeito estufa e o aquecimento climático devido à queima de combustíveis fósseis correspondem ao processo

    digestivo, no qual o estômago é uma fornalha que processa a energia que abastece o corpo, por meio da alimentação (Tomio Kikuchi).

    A psique individual ou coletiva inclui o inconsciente. A totalidade da mente supõe que existam esferas conscientes e inconscientes. A

    psicologia ocidental do século XIX fundou-se em raízes gregas, que por sua vez se alimentaram na India. No século XX a pesquisa da

    consciência, da psicologia transpessoal e do superconsciente abrem novos campos no estudo da subjetividade. A ecologia interior, da

    mente e do ser, a transformação da consciência e os caminhos de libertação presentes em tradições espirituais e que geraram hábitos de

    vida sustentáveis, a influência da Vedanta, da yoga, do budismo e do taoísmo enriquecem a percepção e a pesquisa nesse campo. Valores

    pré ou pós-materialistas podem estar associados a diferentes níveis de violência e a atitudes e comportamentos mais ou menos agressivos

    em sua relação com hábitos de vida e padrões de consumo, bem como com valores culturais e espirituais.

    Para Sri Aurobindo, o desenvolvimento das emoções é a condição primordial para uma evolução humana consciente. Para ele, quatro

    princípios governam a conduta humana: 1. a necessidade pessoal; 2. o bem da coletividade; 3 o ideal ético; e 4. a consciência de nossa

    natureza divina, que é ao mesmo tempo uma lei imperativa e uma liberdade absoluta. Ele postula que há um processo de tríplice

    transformação com 3 fases de mudança radical na natureza humana, respectivamente a fase 1. psíquica, a 2.espiritual e a 3. a

    transformação supramental, em que a verdade, a beleza e o bem são três imagens da realidade suprema.

    A percepção ambiental e sobre as paisagens é afetada pela formação e pelos interesses do observador, que destaca os elementos que mais

    lhe interessam. A percepção sensorial, por meio dos sentidos - visão , audição, olfato, tato, paladar - é limitada, e seus limites podem ser

    estendidos pelos instrumentos científicos e tecnológicos. Alem das limitações dos sentidos, a percepção ambiental é condicionada pelos

    interesses, informação e formação do indivíduo ou comunidade que observa, que filtram aquilo que é percebido, realçam alguns elementos

    e escondem outros. A percepção sobre o ambiente, através dos sentidos, é filtrada pelo conhecimento, pelos interesses, pelos valores

    culturais e pela educação de um indivíduo ou uma sociedade. Assim, em função de sua formação profissional e história de vida, cada

    indivíduo tende a valorizar determinados aspectos da paisagem e do ambiente em que vive ou trabalha. O resultado sinérgico da integração

    interdisciplinar, meta ou transdisciplinar depende da compreensão mutua entre pesquisadores e gestores com distintas formações

    profissionais.

    “O cérebro humano sem dúvida representa o pináculo na evolução das formas organizadas nesse planeta; mas ele não é o pináculo da

    evolução humana. Ao contrário do que alguns biólogos materialistas nos querem fazer crer, o homem essencial é um ser espiritual imaterial

    que usa o cérebro, junto com o resto do corpo, para desenvolver suas faculdades interiores” ( Lester Smith).

    Cada tradição filosófica, espiritual ou religiosa dispõe de suas explicações para a vida, a evolução o sentido da existência humana, valorizando

    atitudes e comportamentos, hábitos alimentares, sacralização de espécies animais ou vegetais, crenças e tradições que modulam o

    relacionamento daqueles que as professam , com a natureza e o ambiente. A consciência cósmica das tradições espirituais expande a

    abrangência da ética ecológica. Presente em várias tradições espirituais e na astrofísica avançada, ela focaliza o Universo, extrapola a visão

    geocêntrica da ecologia superficial e fortalece a percepção cosmocêntrica. Nessa escala, o local é o global do planeta, e agir localmente

    significa atuar para as mudanças evolutivas, socioculturais, econômicas e políticas necessárias à civilização sustentável.

    3. ECOLOGIA E VALORES HUMANOS
    O ambiente sofre os efeitos do comportamento e das atitudes, dos estilos de vida individuais e sociais. Os padrões de consumo de

    alimentos, de materiais de construção, de vestuário, de objetos que dependem de recursos naturais para sua produção, produzem

    impactos e pressões sobre a natureza. Cada indivíduo, país ou sociedade, ao adotar seu estilo de vida, é responsável pelos impactos que

    produz sobre o ambiente.
    Os movimentos ecológicos, pela “austeridade feliz”, pela simplicidade voluntária e pelo conforto essencial, defendem a autolimitação do

    consumo de bens materiais, eliminando o supérfluo. Sugerem que as necessidades básicas devem ser distinguidas das demandas induzidas

    de fora, pelos meios de comunicação e pela propaganda, que estimulam desejos.

    A ética ecológica oferece visão alternativa sobre a cultura, a ciência, a tecnologia e a natureza, e valores que podem redirecionar atitudes e

    comportamentos destrutivos, transformando-os em ações amigáveis em relação à vida e à natureza.

    O consumismo e o belicismo estão na raiz da pressão sobre os recursos naturais, transformados pela sociedade industrial em bens materiais

    de consumo. Sociedades pré-materialistas, como as dos indígenas, com baixo consumo de bens materiais, protegiam a natureza.

    O avanço tecnológico coloca questões éticas, especialmente no campo da biotecnologia e na construção de novas espécies animais ou

    vegetais, a partir da engenharia genética. O limite entre a natureza e a cultura se torna mais difuso. O homem produz novas espécies

    usando sua ciência e, ao mesmo tempo, se redescobre como uma espécie da natureza, inserido na biodiversidade.

    Para Lutzemberger (*) “Sobram biólogos, mas torna-se cada vez mais difícil encontrar naturalistas. [...] A diferença está na veneração. Para

    o naturalista, a Natureza não é simples objeto de estudo e manipulação, é muito mais; ela é algo divino – não temos medo desta palavra –,

    é sagrada e nós humanos somos apenas parte dela. Daí a atitude do naturalista não poder jamais ser atitude de agressão, dominação,

    espoliação. O naturalista procura a integração, a harmonia, a preservação, o esmero, a contemplação estética. Ele está no mesmo nível do

    artista, do compositor, maestro, escultor, pintor, escritor, mas ele trabalha dentro da disciplina científica, em diálogo limpo com a Natureza.

    Só uma visão sistêmica, unitária, sinfônica, poderá nos aproximar de uma compreensão do que é nosso maravilhoso planeta vivo.”

    O pós-materialismo, na teoria e na prática cotidianas, constitui caminho eticamente responsável. São valores responsáveis o respeito à

    diversidade biológica e cultural, a solidariedade, a fraternidade, a prudência. No contexto da civilização sustentável, será fundamental a

    redescoberta dos valores éticos, tais como os de cooperação, respeito, amor, felicidade, responsabilidade, paz, liberdade, honestidade,

    tolerância, humildade, simplicidade, verdade, não-violência, que constituem os princípios que podem iluminar a ação correta. Os valores e os

    comportamentos destrutivos ou positivos a eles associados estão ligados aos diversos centros energéticos localizados no corpo humano,

    conforme sintetiza quadro elaborado por Pierre Weil em livro sobre “A Neurose do paraíso perdido”.

    No atual estágio de desenvolvimento e evolução dessa espécie, a escolha e decisão sobre os padrões sustentáveis de produção e de

    consumo podem significar a diferença entre o desastre ecológico e a sobrevivência das novas gerações de seres humanos dentro da

    biodiversidade.

    ¹ - UNIPAZ - Ministério do Meio ambiente, Eplanada dos Ministério, Bl B - 8 andar - Gabinete, CEP 70068-900 - Brasília - DF; Fone: 61 317-

    1068 Fax: 61 226-8050 - e-mail: mauricio.andres@mma.gov.br

    (*) Palestra apresentada na abertura do 1. Simpósio Internacional de Monitoramento e automação dos sistemas de Água da ABAS
    (**) Vice Presidente da Unipaz-DF.

    (1) Texto reproduzido da introdução ao livro "Ecologia Humana, Ética e Educação - A mensagem de Pierre Dansereau", APED , 1999.